Toda vez que vou a Buenos Aires, acabo fazendo uma viagem peculiar – e cada vez por um motivo. Eu estava felicíssima de ter sido convidada pelo Paulo (meu amigo de muitos e muitos anos) para seu casamento na cidade. Recolhi uma série de endereços de chás para tomar Chamana, Inti.zen, Tea Connection, Tealosophy e nenhum dos planos deu muito certo – exceto por Tealosophy (aguardem um post especial sobre a loja). Achei que ia passar horas cruzando Palermo de ponta a ponta, matar as saudades de Palermo Viejo… e nada! Fiquei pulando de galho em galho, de amigo em amigo, charlando, tomando chá, celebrando os encontros. Ou seja, uma verdadeira cerimônia que durou quatro dias!

Juan (o da direita, por favor, o outro eu não faço a mínima ideia de quem seja) foi meu anjo da guarda. Além de ter me hospedado, ele foi comigo fotografar a loja de Inés Berton em Palermo. A Tealosophy fica em um espaço com carinha de Provence (com direito a jasmins no chão), a Galeria Paul. Fazia tempo que eu não via Juan – desde a minha última viagem a Buenos Aires, em 2004 – e fazia tempo também que não nos falávamos. Retomamos contato recentemente para falar do blog Cerimônia do Chá. Juan foi um dos amigos fundamentais para fazer o blog renascer.

Depois de eu quase surtar na Tealosophy, segui a pé até o Ilum Experience Home, onde estavam hospedados os noivos (Paulo y Paula). Como eu sempre passava lá para dar um “oi” e essas passadinhas nunca duravam pouco tempo, acredito que tenha sido o salão onde mais passei tempo tomando chá, sempre da marca José, mate ou de rosa mosqueta. A trouxinha que armazena a erva é linda, mas me deixa um pouco aflita imaginar que elas não tem para onde se expandir, ficam todas apertadinhas lá dentro.

Ainda na minha lista de queridos amigos, pude rever mi “mama argentina”, a Titi, mãe do Andy, duas pessoas queridas que muito me influenciaram no hábito de tomar chá.

Titi até me emprestou um livro, passamos horas falando de nossas paixões, descobertas, fases de vida… Tentamos encontrar alguns chás de Tealosophy na sorveteria Volta – mas o endereço da Santa Fé, infelizmente, não tem chás desta marca. No entanto, nos compensou com um jardim agradável!

Outros grandes momentos de conversa e aconchego foram compartilhados com meus anfitriões, Juan y Patricia, sua namorada, que eu acabo de conhecer, mas era como se estivesse na minha vida há alguns anos. Patricia carinhosamente preparava o café da manhã (e Juan o jantar) e sentávamos juntos para passar bons momentos. O que eu mais gostava era da hora do mate, é claro, afinal, estava em Buenos Aires.

Manhãs de frio e sol, com a chaleirinha da casa e o mate misturado com um pouco de açúcar e casca de laranja.

ichigo ichie

E, além de colocar meu blog no ar, em pé, Juan ainda me envia o seguinte e-mail depois da minha volta:

ASSUNTO: encontrei isso e lembrei de você

a cuarta característica da arte zen

Naturalidad (Shizen)

Ausencia de fingimiento o artificio. Lo que significa en este contexto no es lo mismo que “naturaleza en estado bruto”. Es “no irrazonabilidad”, “no idea”, “no intensión”. Esta naturalidad no puede ser prevista. En el rito del té se dice: “Es bueno que las cosas sean sabi, pero hacer sabi las cosas no es bueno, pues es forzado y artificial”. Aquello que alguien vuelve natural es innatural. La naturalidad debe involucrar una plena intensión creativa y, al mismo tiempo, debe ser inartística y no forzada.

Extractos del libro Zen y Arte, publicado en Japón en 1958, por el caligrafo pintor Sinyu Morita.

Faz um mês (na verdade, um mês e dois ou três dias, afinal passa de meia-noite) que comecei a trilhar um caminho com mais atenção. Pode parecer clichê – e é mesmo, admito, mas não me importo – dizer que essa nova visão do chá veio de um encontro inesperado, quase mágico, trazendo literalmente novos sabores à minha vida.

Quinta-feira, três da tarde: consigo uma vaga na disputadíssima palestra que Carla Saueressig, a proprietária d’A Loja do Chá, deu na Casa Santa Luzia. Antes de prosseguir, faço um pequeno adendo: são os dois melhores endereços para se comprar chá de qualidade em São Paulo. Assisti à ótima palestra da Carla, encontrei com uma amiga querida por acaso, saí para tomar uma soda italiana com ela e papear e voltei ao local para degustar e comprar alguns chás. Com a caixa de inti.zen (uma marca argentina de chás gourmets que primeiro conheci por um grande amigo e que pude degustar no choco.lab, em Higienópolis) na mão, fui surpreendida por uma conversa de prateleira. Papo vai, papo vem, soube que meu interlocutor, Guillermo, estava acompanhado Inés Berton, uma das grandes conhecedoras de chá no mundo. Quase caí para trás…

ILUMINÉ (vermelho) foi o primeiro inti.zen que conheci por Andrés Nigoul, grande amigo argentino (que também me introduziu ao Earl Grey e ao gosto pelo chá preto com leite). Andy me ofereceu como uma lembrancinha esta maravilhosa releitura do English Breakfast feita com chá preto do Ceylon, com toques de assam e oolong. Seu gosto é suave e, ao mesmo tempo, encorpado. Bom para tomar pela manhã.

PATAGONIA BEE (amarelo) foi minha descoberta: mel da Patagônia, toques de baunilha e cacau misturados com chá preto indiano. Na caixa, a sugestiva inscrição “para suavizar as palavras”. Doce e macio, cai como uma poesia que diz aquilo que sua alma pede. Antes que me perguntem, gosto de tomá-lo sem acompanhamento. Do mesmo jeito que evito ver uma exposição ou ler algo depois de ver um filme que me toca bastante. Quero guardar todos seus resquícios de sabor na minha memória, sem misturas (ou harmonizações para quem preferir assim).

GRANDE PARÊNTESE: até então, tudo o que eu sabia sobre Inés Berton era que ela tinha criado um blend para o Dalai Lama e que era uma das maiores especialistas de chá do mundo (e que eu amava os chás inti.zen). Mas a história vai além da lista de seus clientes – celebridades (e eu acho uma loucura chamar o Dalai Lama de celebridade, mas deixa pra lá), grifes e hotéis de luxo que encomendam suas criações. Inés Berton tem olfato absoluto e hoje é uma das onze tea noses do mundo, sendo que sua especialidade é o chá verde. Estas são as informações encabeçam qualquer matéria jornalística sobre ela.  Fala-se muito também da Tealosophy, sua loja na Recoleta, Buenos Aires, com filial em Barcelona, que vende uma variedade de chás  de alta qualidade e blends criados por Inés e que, para ela, o chá é uma filosofia de vida... (a expressão em espanhol “buscadora de té” explica tudo). O que os jornalistas não contam: Inés Berton possui uma sensibilidade impressionante, um sorriso acolhedor e uma delicadeza na escolha das palavras ao falar sobre chá. Inés e seus blends são inspiradores. É preciso silenciar um pouco a alma para ouvi-la.

Mais alguns minutinhos de conversa – queria saber se ela daria alguma palestra em sua passagem pelo Brasil – e fui convidada para uma degustação de chás no restaurante DOM, de seu amigo Alex Atala.

Sexta-feira, três da tarde: corri para encerrar o expediente de trabalho na hora do almoço e partir para o DOM sem nenhuma pendência nas costas. Pude conhecer melhor Guillermo Casarotti, o empresário de alma sensível por trás das marcas inti.zen e chamana – e foi esta linha de infusões, exclusividade da carta de chás do DOM, que mudou a minha vida. Chá, infusão, erva, feita ou não de camellia sinensis, pouco importa. Guillermo havia me recomendado no dia anterior um blend da inti.zen (DON JUAN) que continha doce de leite e eu, literalmente, torci o nariz. Chá de doce de leite? Não consigo processar… Tudo mudou quando o garçom despejou água quente em cima do saquinho semi-aberto de chamana azul (rooibos – um arbusto sul-africano, avelã, maçã e doce de leite), do aroma ao sabor, foi um festival de “ai ais” internos (afinal, eu estava em uma degustação com pessoas desconhecidas em um dos restaurantes mais chiques de São Paulo, sentada na mesma mesa de uma das grandes conhecedoras de chás do mundo e não queria pagar mico). Até então, nunca tinha experimentado a sensação de um abraço confortante pelo paladar. Escutei até a voz da Titi, mãe do Andy, falando “rico, muuuuy rico”.

Degustei outros sabores das duas linhas que, aos poucos, vou descrever neste blog conforme eu for redescobrindo cada um deles. Vou deixar vocês com a descrição do chamana azul “chill-out, reconfortante” como último sabor do post.

Só mais duas coisas antes de encerrar este loooongo relato…

* até escrever sobre tudo esta experiência, eu não me sentia de corpo e alma neste blog. Parecia que eu guardava um segredo precioso e o meu objetivo aqui é compartilhar.

* deixo registrados meus sinceros e mais profundos agradecimentos a Guillermo e Inés que, de forma muito carinhosa e acolhedora, incentivaram esta mais nova busca.

E viva os encontros!

A Loja do Chá: av. Brigadeiro Faria Lima, 2.232, 3° piso (Shopping Iguatemi), tel. (11) 3816-5359 (abre de segunda a sábado, das 10h às 22h, e aos domingos, das 14h às 20h)

Casa Santa Luzia: al. Lorena, 1.471, tel. (11) 3897-5000 (abre de segunda a sábado, das 8 hs às 20h45)

choco.lab: rua Pará, 18, tel. (11) 3259-1941 (abre de segunda a quinta, das 12h às 20h, e às sextas, domingos e feriados, das 14h às 20h)

DOM: rua Barão de Capanema, 549, tel. (11) 3088-0761